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Metáforas

O que é uma metáfora?


O leitor deve estar se perguntando por que é importante a abordagem do conceito de metáfora neste livro. A resposta é simples: estamos analisando a linguagem de Darwin em sua obra A Origem das Espécies, e é justamente de metáfora que Darwin usa ao longo de sua obra para descrever supostos processos que, segundo ele, ocorrem na NATUREZA. Por isso, precisamos fazer uma ligeira abordagem desse assunto, para que possamos deixar claro ao leitor que, quando falamos por metáfora, estamos, na verdade, falando de uma outra categoria criada pela linguagem. Primeiramente, vamos fazer uma rápida análise de uma metáfora muito conhecida, para que o leitor possa compreender melhor o que estamos tentando explicitar aqui. Vejamos a seguinte sentença metafórica, muito conhecida:


1) Aquele médico é um açougueiro.


Todos nós sabemos o que a sentença (1) está querendo, de fato, dizer: aquele médico é muito ruim para realizar operações, tão ruim que mais parece um açougueiro trabalhando, não um médico. De fato, o objetivo dessa frase não é dizer que o tal médico é um açougueiro, mas que o tal médico é um péssimo médico. É uma metáfora construída a partir de dois conceitos: o conceito de MÉDICO e o conceito de AÇOUGUEIRO. A partir de agora, vamos representar um conceito por letras maiúsculas, isso nos ajudará na explanação e evitará possíveis confusões. Apesar de termos dito logo atrás que usaríamos conceitos em maiúscula para referirmos a conceitos que não possuem existência fora da linguagem, nessa seção, estamos usando o mesmo artifício, mas tão somente para nos referir a qualquer conceito.
Todos sabemos o que é um médico e todos sabemos o que é um açougueiro. São duas profissões muito comuns. Existem médicos bons e médicos ruins e também existem açougueiros bons e açougueiros ruins. Porém, o que existe em um médico ruim que nos permite pensar que ele se pareça com um açougueiro? Nem todos os açougueiros são, necessariamente, ruins. Por que, então, um médico ruim é chamado de açougueiro? Poderíamos criar uma metáfora inversa e chamar um açougueiro ruim de médico, e a sentença ficaria assim:


2) Aquele açougueiro é um médico.


Temos de admitir que (2) não é uma metáfora comum, mas legítima. E poderíamos nos perguntar: por que um açougueiro ruim é chamado de médico nessa metáfora? Não há razão aparente, não é mesmo? Voltemos, porém, à metáfora (1).
Que imagem nos vem à mente quando ouvimos ou lemos uma sentença como (1)? Imaginamos um médico, necessariamente, operando alguém. Não imaginamos o tal médico receitando remédios ou conversando com um paciente sobre uma doença qualquer. A sentença “Aquele medido é um açougueiro” evoca uma imagem em que o tal médico não saiba operar, não saiba manusear os instrumentos médicos necessários a uma operação, de modo que o seu trabalho não será confiável. A operação, então, seria mal feita, sem os devidos cuidados com o paciente, uma operação em que o médico estaria literalmente cortando o paciente, em vez de o estar operando. E estaria cortando o paciente de tal maneira que mais pareceria estar cortando carne em um açougue, o que não exige os mesmos cuidados que se deve ter na operação de um paciente. E é justamente por isso que podemos dizer que ele é um açougueiro. É assim que entendemos essa metáfora. Na linguagem, veja bem, isso é muito importante, na linguagem somente, o médico é um açougueiro.
Ainda que conheçamos algum médico que seja muito ruim para realizar operações e possamos chamá-lo de açougueiro por causa disso, o fato é que esse tal médico não é, de fato, um açougueiro. Ele é um médico! Um médico ruim, na verdade, mas ainda assim um médico. Essa é a profissão dele e, provavelmente, ele nada entenda de corte de carnes como um açougueiro entenda, justamente porque ele não é um açougueiro. Ele é um açougueiro somente metaforicamente falando, ou seja, somente na linguagem e pela linguagem.
Ora, os açougueiros, pelo menos a maioria deles, devem ser bons no que fazem assim como os médicos também. São profissões muito diferentes, é certo, mas só esses dois conceitos que vemos envolvidos na metáfora não são suficientes para nos fazerem entender que (1) quer dizer que um médico é considerado incompetente ou extremamente descuidado quando é comparado a um açougueiro, ainda que açougueiros não sejam, de fato, incompetentes ou descuidados. INCOMPETÊNCIA ou DESCUIDO são os conceitos que podemos encontrar aqui. Mas, como é que esses conceitos aparecem em nossas mentes? Se nem todos os açougueiros são ruins, então como é que entendemos o que essa metáfora está dizendo? Entendemos o que essa metáfora está dizendo porque ninguém quer, na verdade, ver um médico trabalhando como um açougueiro. Queremos que os médicos operem com todos os cuidados devidos. A metáfora (1) foi possível porque existe um médico tal e esse médico opera do mesmo modo que um açougueiro corta carnes, e ninguém quer ser paciente de um médico assim. A profissão de açougueiro permite que se corte carnes de uma maneira menos cuidadosa que um médico. Porém, e isso é muito importante, o tal médico, por mais descuidado ou incompetente que seja, por mais que ele maneje o bisturi como um açougueiro maneja a faca, não é, de modo algum, um açougueiro. Um médico é um médico, ainda que seja incompetente, ainda que seja extremamente negligente com seus pacientes. Médicos são médicos, açougueiros são açougueiros e pronto.
Na metáfora, e somente na metáfora, ou na linguagem, e somente na linguagem, porém, o tal médico não é um médico somente, ele é um MÉDICO-AÇOUGUEIRO, ou seja, no discurso, MÉDICO-AÇOUGUEIRO é uma nova categoria de médico. É exatamente isso que a metáfora (1) nos dá: uma nova categoria de médico. Se você parar para pensar em enunciados metafóricos, você vai notar que a metáfora permite a criação de categorias. No enunciado (1), usamos de dois conceitos conhecidos, MÉDICO e AÇOUGUEIRO, que são conceitos diferentes, cada um deles representando uma categoria de ser no mundo. MÉDICO e AÇOUGUEIRO são categorias diferentes, são profissões diferentes, são pessoas diferentes. Porém, em (1), não temos duas pessoas diferentes, temos uma pessoa somente, uma profissão diferente, um médico que é, simultaneamente, médico e açougueiro. É uma nova categoria, construída pela metáfora. Por isso é perfeitamente lógico que, quando falamos em metáfora, falemos também em FUSÃO DE CONCEITOS. Ocorre, na metáfora em questão, uma fusão de dois conceitos, o conceito de MÉDICO e o conceito de AÇOUGUEIRO. Uma fusão tão bem feita que podemos dizer e entender que o tal médico é também um açougueiro.
Vejamos uma nova categoria de ser criada também pela metáfora.